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Governo de SP se curva diante de argumentos preconceituosos

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Moradores de Higienópolis não querem o metrô @pixel - fotógrafo: U Explorer (2011)

Li na Folha (aqui, nota da Folha Online; o texto completo é só para assinantes) hoje: Governo de São Paulo desiste de construir a Estação Angélica do Metrô depois de protestos e abaixo-assinado de moradores de Higienópolis (bairro nobre de São Paulo próximo ao centro). A estação seria parte da futura Linha 6 – Laranja, que ligará a Brasilândia, na Zona Norte, ao centro. Com a desistência, o Metrô voltou a estudar a possibilidade de construir uma estação na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu.

A estação Angélica foi planejada de acordo com estudos de demanda feitos pelo Metrô. A previsão era de que 25 mil pessoas usassem a estação diariamente. Mas os argumentos dos moradores de Higienópolis aparentemente tiveram mais peso que planejamento técnico. Eles reclamam, entre outras coisas, que já existem estações de Metrô no entorno, que o fluxo de pessoas no local seria aumentado, que haveria um aumento no número de ocorrências indesejáveis no bairro  e também da possibilidade de instalação de camelôs no local. Poucas vezes o nome do bairro e seu perfil estiveram mais consonantes: todos os argumentos são higienistas. Os moradores não querem contato com pobres, simplesmente. O fato de que existem 3 faculdades na região (Mackenzie, PUC e Faap) e de vários prédios de escritórios na Av. Angélica nãopareceu importante para os verdadeiros ‘donos’ do local. Aliás, nem a possibilidade de melhorar a mobilidade em benefício próprio contou. Afinal, quem assina abaixo-assinado contra o Metrô está bastante satisfeito com sua vida dentro de um carro.

Mais importante que criticar a postura dos moradores – por inaceitáveis que sejam os argumentos, eles têm o direito de tentar manter seu padrão de vida – é entender os motivos que levaram o Governo a aceitar a pressão dos moradores. Ou o estudo técnico era de má qualidade ou a pressão de moradores ditos influentes pesou. Como exemplo, a nata do tucanato paulista mora no bairro (não insinuo aqui que eles foram contra a obra, duvido que algum político faria isso; só quero mostrar o nível de ‘influência’ dos moradores do bairro). Ambos os casos são ruins.

Pior ainda é o plano de instalar uma estação na frente do Pacaembu. A prática recente em todo o mundo é construir estações de trens e metrô a pelo menos algumas centenas de metros dos estádios. Isso ajuda a encaminhar melhor o fluxo de pessoas. É assim em Wembley, em Londres, no Stade de France, em Paris e até no Morumbi, em São Paulo (a estação será a 1 quilômetro, só não se sabe quando será inaugurada). Em contrapartida, o Emirates Stadium, em Londres, tem uma estação praticamente na porta (que foi construída em 1906, antes que o Arsenal se instalasse no bairro). Tive a oportunidade de usar a estação depois de um jogo e a experiência não foi boa. A estação fica lotada ao ponto de ser insegura.

Espero que a reação contrária a essa decisão consiga fazer um contraponto aos desejos dos moradores locais. O bairro não é usado apenas por eles, mas pelos que lá trabalham, estudam ou simplesmente passam. O envolvimento dos moradores é importante sim e deve acontecer em todos os bairros. Quando só os cidadãos ricos e influentes são ouvidos, fica clara a assimetria da democracia na cidade.

Written by thalitapires

11 de maio de 2011 às 10:41

14 Respostas

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  1. Após analisar os orgumentos de José Luiz Portella, ex-secretário de Transportes Metropolitanos, vejo que realmente a melhor posição de tal estação é no lugar já proposto. O item conectividade, abordado por Portella é muito relevante, entre outros também importantes.
    Espero, em contra partida ao Abaixo-assinado dos moradores de Higienópolis, que entidades idôneas proponham, da mesma forma, à população de São Paulo a oportunidade de se manifestar.

    Fransa

    14 de maio de 2011 at 10:51

  2. Eu acredito que sempre uns ganham e uns perdem quando se interfere de modo abrupto na paisagem local…

    Priscilla

    12 de maio de 2011 at 21:51

  3. Eu penso que ordem e progresso é bom, mas talvez manter as caracteristicas locais, de seu bairro seja essencial. Odiei o que fizeram do largo de Pinheiros, com aquelas naves metálicas, estações de metro… preferia 1000 vezes que tivesem mantido as barracas de frutas, ampliado até as caracteristicas do largo! Essas obras de metro são caríssimas, com o que se gasta daria para fazer kilometros de ciclovias pela cidade, muito mais limpas e úteis também. Pinheiros não é e nunca foi como disse o Nicolau no futepoca um bairro reacionário nem nobre, o fluxo constante de não moradores era bastante comum na minha infancia, eu morava na rua do trem, ao que fui desapropriada. É um bairro super democrático, e que vem mais e mais perdendo sua tranquiidade quase provinciana.

    Priscilla

    12 de maio de 2011 at 21:45

  4. […] pelo manhã, antes que o tema se tornasse o hit do dia, escrevi um texto sobre a decisão do Metrô em não construir a estação Angélica, depois da pressão da […]

  5. […] o texto da jornalista Thalita Pires, no blog Desafios Urbanos, comentando o fato. É bem […]

  6. Sendo sincero, o caso do metrô de Higienópolis se deve mais à auseência de argumentos racionais (e à favor) que pela influência dos moradores e do Pão-de-Açúcar da região (conforme insinuado no twitter).

    A petição dos moradores continha, segundo o jornal A Folha de São Paulo de hoje, apenas 3500 assinaturas. É muito pouco.

    Por outro lado, não vi notícias de nenhuma petição ou movimento À FAVOR da estação da Angélica.

    De modo que ou temos um complô de toda a rede de comunicação deste país, ou as pessoas que estariam interessadas no metrô na Angélica simplesmente não se mexeram – ou não souberam se mexer, talvez.

    O Governo, sem dúvida, está sendo negligente – assumindo que o estudo técnico original está correto, está se deixando, cômodamente, se levar por uma minoria ruidosa.

    Mas onde está a maioria que, ao menos em teoria, é a principal interessada?

    Lisias

    11 de maio de 2011 at 15:49

    • Bom, se existe um plano para construir a estação, um abaixo-assinado a favor disso parece redundante, não? Mas hoje o abaixo-assinado a favor da estação já começou a circular. Vamos ver qual será a mobilização

      thalitapires

      11 de maio de 2011 at 15:52

      • No Facebook está rolando um evento chamado ‘Churrascão da Gente Diferenciada’, uma forma de protestar satiricamente. Achei engraçado e interessante, mas falta ver se o pessoal vai mesmo.
        Não apoio nenhum dos lados, mas consigo entender os dois.

        Allécto

        11 de maio de 2011 at 17:24

      • Esta pendenga já vem rolando à meses. Não guardo jornal velho, então não posso dizer desde quando, mas os Higienistas (pun really intended) estão se mexendo há meses.

        Inclusive com notas nos jornais.

        Não dá pra dizer, então, que fomos pegos de suspresa. Houve sinais do problema, e tempo hábil para uma reação.

        Lisias

        11 de maio de 2011 at 19:02

    • Na verdade não, né? Pra que se preocupar em lutar contra um movimento de 3500 pessoas? Quem no mundo ia saber que o Governo ia recuar diante de tão pouca gente, tão pouca representatividade? Fora que, vamos combinar, participação popular não é o forte dos desígnios públicos paulistanos (paulistas, brasileiros, enfim…). Não é mole se mobilizar, então culpar aqueles que querem o metrô por não fazerem nada é um pouco injusto.

      thalitapires

      11 de maio de 2011 at 20:27

      • Nao estou culpando.

        Estou responsabilizando. Democracia e’ isso ai’. (tambem)

        Lisias

        12 de maio de 2011 at 16:46

  7. O mesmo está acontecendo com o Rio. Uma elite escroto está tentando impedir o metrô de passar pelo Leblon, a versão carioca de Higienópolis.
    Quando instalaram o elevador do Cantagalo em Ipanema, muitos reclamaram que, a partir de então, ia ficar muito mais fácil para a “favelada” descer para a praia. Nojo!

    lamissuesforum

    11 de maio de 2011 at 15:10

  8. Esses caras são impressionantes, um elitismo do cacete. E o governo se curva. Saudade da Marta, que comprou briga com Deus e o mundo pra implantar o Bilhete Único e diretamente com uma elitizinha dessas pra botar o corredor na Rebouças.

    Nicolau

    11 de maio de 2011 at 14:42

  9. A lenda do metro de São Paulo continua bem coerente com a história. Expansão lenta, planejamento obsoleto, quando ficam prontas já estão saturadas, como quase tudo no Brasil (coloco aí os investimentos privados também). Será q um dia os interesses da cidade vão se sobrepor aos intereses particulares (justos ou não)??

    Bruno Scuracchio

    11 de maio de 2011 at 11:04


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