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Notícias e reflexões sobre planejamento e questões sociais nas cidades brasileiras

Reações sobre a não-estação Angélica

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foto: WikiCommons

Ontem pelo manhã, antes que o tema se tornasse o hit do dia, escrevi um texto sobre a decisão do Metrô em não construir a estação Angélica, depois da pressão da associação de moradores do local. Acho que vale a pena recuperar o assunto e pensar sobre as reações que o fato provocou.

O texto Droga de Elite, de Fernando Canzian, publicado no site da Folha, deu voz à indignação da maioria dos moradores de São Paulo que se sentiram ofendidos com o absurdo de recusar uma estação de Metrô perto de casa, algo que povoa a imaginação de muita gente que mora longe das linhas já existentes. Metrô perto de casa sempre foi meu sonho de consumo, e acredito que de 90% da periferia. Mas voltando ao texto, diz Canzian: “Reclama-se muito que São Paulo não consegue ser cosmopolita, democrática. Vamos a Nova York e à Europa e voltamos deslumbrados. Carentes da não dependência do carro e saudosos de ‘civilização'”. A coluna foi recomendada por mais de 6 mil pessoas no Facebook e por incontáveis usuários no Twitter.

E foi no Twitter que o processo de ridicularização da ‘elite de Higienópolis’ continuou. Pela manhã, o termo Higienópolis figurou por horas entre os mais comentados no Brasil. À tarde, a coletividade virtual aproveitou uma declaração infeliz de uma psicóloga, moradora do bairro, e criou a tag #gentediferenciada. Em entrevista à própria Folha no ano passado, essa moradora (não vou repetir aqui seu nome) rejeitou a ideia do Metrô no local porque a estação poderia atrair “uma gente diferenciada”.

Churrascão em Higienópolis a favor do Metrô

A piada rolou solta no Twitter até que o jornalista Danilo Saraiva a transpôs para o Facebook e criou o evento ‘Churrascão da Gente Diferenciada‘, a ser realizado em frente ao Shopping Higienópolis, um dos mais luxuosos da cidade. A descrição do evento diz: “Leve farofa, carne de gato, cachorro, papagaio, som portátil, carro tunado e tudo o que sua consciência social permitir. Afinal, a rua é pública e o Higienópolis não está separado por muros”. Até agora, a iniciativa tem a adesão mais de 41 mil pessoas. Resta saber se pelo menos algumas delas realmente comparecerão ao evento, marcado para este sábado (14), às 14h.

Enquanto a reação aos 3,5 mil poderosos de Higienópolis acontecia no mundo virtual, o Metrô entrou em cena para dizer que não era nada daquilo. Apesar de a reportagem inicial da Folha atestar que o Metrô concordou com a mudança depois da reclamação dos moradores, o presidente da Companhia, Sergio Avelleda, afirmou para a Veja SP que a mudança teve razões técnicas para acontecer e que a estação continuará em Higienópolis. Hoje pela manhã a rádio Estadão/ESPN conversou com Avelleda, que repetiu o mesmo argumento. Uma coluna de Paulo Moreira Leite na Época Online também aborda do assunto. Fora da imprensa, o professor do curso de Políticas Públicas da Each-USP José Carlos Vaz também se manifestou a respeito. (Mais uma reportagem a respeito pós-publicação do post: SPTV hoje à tarde. Fiquei surpresa com o tom agressivo das perguntas, por ser um telejornal da Globo)

Voz dissonante

No sentido contrário, Sérgio Malbergier publicou a coluna Ser rico não é pecado na Folha Online defendendo a elite de Higienópolis, e, até, a elite de uma forma geral. Seus argumentos, na minha opinião, são risíveis. Escreve Malbergier: “A pressão da comunidade, sim, “ricos” também formam comunidades com direitos iguais às outras comunidades segundo a Constituição brasileira, pode ter influído na decisão do Metrô de mudar a estação do bairro habitado por eles para perto do estádio do Pacaembu.”

Essa frase só faria sentido se as comunidades que não são ricas – incluo aqui até a classe média mais remediada – tivesse algum poder de influenciar as políticas públicas na cidade. Não têm. Não custa lembrar que a democracia em São Paulo é assimétrica. Uns poucos têm voz, a maioria aceita calada os desígnios de quem tem mais poder. Gostaria que alguém me contasse algum caso em que uma associação de moradores de favelas ou da periferia tenha sido ouvida a ponto de alterar profundamente uma decisão já tomada pelo poder público. Eu não conheço, mas gostaria de conhecer. Ricos têm sim que ter voz. Mas só se todos tiverem. Se não for assim, a cidade estará replicando suas antigas estruturas de poder**.

Política vs. Técnica

O plano de instalar a estação Angélica no local onde hoje funciona o Pão de Açúcar da Av. Angélica havia sido tomada baseada em estudos técnicos. Os moradores têm todo o direito de querer preservar seu mercado. Uma moradora declarou à Folha que preferia que o Mc Donald’s, que fica a alguns metros de distância,  fosse desapropriado. Acho que esse tipo de sugestão todos podemos entender. Mercado vale mais para a vizinhança que lanchonete. Se isso não afetar a viabilidade da obra, não vejo porque não acatar o desejo dos moradores.

Acontece que não foi essa a reclamação dos moradores. Eles não querem apenas preservar seu mercado, mas ficar longe de pessoas pobres. Para isso, a estação não pode ficar perto, de maneira alguma. Só que existe um estudo técnico do Metrô que diz que a demanda ali justifica uma estação. A única maneira de confrontar esse fato é com um novo estudo técnico. Não é a minha opinião, a dos moradores, a do presidente do Metrô, a dos colunistas da Folha que conta, mas sim uma avaliação pragmática de demanda e localização.

Me parece óbvio que não existe um novo estudo técnico, pelas palavras de Sergio Avelleda nas entrevistas citadas acima. A pressão dos moradores fez com que o Metrô tivesse que estudar mais uma vez uma região que já tinha avaliações prontas. O Metrô pode chegar à conclusão que uma estação mais próxima ao Pacaembu atenda à mesma demanda? Pode. Mas terá que mobilizar técnicos e gastar mais tempo e dinheiro para fazer isso. Quem mais na cidade tem um poder político tão grande sobre uma obra pública? De que maneira isso pode ser considerado justo?

** Para entender melhor as estruturas de poder de São Paulo no plano urbanístico recomendo o excelente livro A Cidade e a Lei, de Raquel Rolnik. Ao passear pela história das primeiras leis de regulação do espaço urbano em São Paulo, a autora explicita as relações de poder na cidade, em uma época em que tanto ex-escravos como imigrantes recém-chegados eram ignorados.

Written by thalitapires

12 de maio de 2011 at 13:49

Governo de SP se curva diante de argumentos preconceituosos

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Moradores de Higienópolis não querem o metrô @pixel - fotógrafo: U Explorer (2011)

Li na Folha (aqui, nota da Folha Online; o texto completo é só para assinantes) hoje: Governo de São Paulo desiste de construir a Estação Angélica do Metrô depois de protestos e abaixo-assinado de moradores de Higienópolis (bairro nobre de São Paulo próximo ao centro). A estação seria parte da futura Linha 6 – Laranja, que ligará a Brasilândia, na Zona Norte, ao centro. Com a desistência, o Metrô voltou a estudar a possibilidade de construir uma estação na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu.

A estação Angélica foi planejada de acordo com estudos de demanda feitos pelo Metrô. A previsão era de que 25 mil pessoas usassem a estação diariamente. Mas os argumentos dos moradores de Higienópolis aparentemente tiveram mais peso que planejamento técnico. Eles reclamam, entre outras coisas, que já existem estações de Metrô no entorno, que o fluxo de pessoas no local seria aumentado, que haveria um aumento no número de ocorrências indesejáveis no bairro  e também da possibilidade de instalação de camelôs no local. Poucas vezes o nome do bairro e seu perfil estiveram mais consonantes: todos os argumentos são higienistas. Os moradores não querem contato com pobres, simplesmente. O fato de que existem 3 faculdades na região (Mackenzie, PUC e Faap) e de vários prédios de escritórios na Av. Angélica nãopareceu importante para os verdadeiros ‘donos’ do local. Aliás, nem a possibilidade de melhorar a mobilidade em benefício próprio contou. Afinal, quem assina abaixo-assinado contra o Metrô está bastante satisfeito com sua vida dentro de um carro.

Mais importante que criticar a postura dos moradores – por inaceitáveis que sejam os argumentos, eles têm o direito de tentar manter seu padrão de vida – é entender os motivos que levaram o Governo a aceitar a pressão dos moradores. Ou o estudo técnico era de má qualidade ou a pressão de moradores ditos influentes pesou. Como exemplo, a nata do tucanato paulista mora no bairro (não insinuo aqui que eles foram contra a obra, duvido que algum político faria isso; só quero mostrar o nível de ‘influência’ dos moradores do bairro). Ambos os casos são ruins.

Pior ainda é o plano de instalar uma estação na frente do Pacaembu. A prática recente em todo o mundo é construir estações de trens e metrô a pelo menos algumas centenas de metros dos estádios. Isso ajuda a encaminhar melhor o fluxo de pessoas. É assim em Wembley, em Londres, no Stade de France, em Paris e até no Morumbi, em São Paulo (a estação será a 1 quilômetro, só não se sabe quando será inaugurada). Em contrapartida, o Emirates Stadium, em Londres, tem uma estação praticamente na porta (que foi construída em 1906, antes que o Arsenal se instalasse no bairro). Tive a oportunidade de usar a estação depois de um jogo e a experiência não foi boa. A estação fica lotada ao ponto de ser insegura.

Espero que a reação contrária a essa decisão consiga fazer um contraponto aos desejos dos moradores locais. O bairro não é usado apenas por eles, mas pelos que lá trabalham, estudam ou simplesmente passam. O envolvimento dos moradores é importante sim e deve acontecer em todos os bairros. Quando só os cidadãos ricos e influentes são ouvidos, fica clara a assimetria da democracia na cidade.

Written by thalitapires

11 de maio de 2011 at 10:41

São Paulo lança programa de proteção ao pedestre

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Foto: Guarulhos Web

A Prefeitura de São Paulo lança hoje um plano de proteção aos pedestres. Serão criadas 11 Zonas Máximas de Proteção ao Pedestre, nos pontos da cidade em que mais acontecem atropelamentos, que terão sinalização específica e reforço de agentes de trânsito para garantir que motos e carros respeitem as faixas de pedestres. De acordo com as informações que já foram veiculadas pela imprensa, o objetivo é diminuir as mortes por atropelamento pela metade. Na primeira fase do programa, a prioridade é a educação dos motoristas. Depois, haverá a aplicação de multas aos motoristas que não respeitarem a faixa.

A iniciativa de proteger os pedestres é bem-vinda, mas só mostra o quão atrasada a cidade está no que diz respeito a esse assunto. Atenção aos pedestres não é apenas cuidar para que os carros não parem na faixa em 11 cruzamentos. Isso, na verdade, já deveria vir no pacote de uma cidade com 7 milhões de veículos. Tampouco é apenas uma questão de segurança. Pedestre não é um ente separado do trânsito, um problema a ser resolvido, mas sim uma parte da solução para os problema de mobilidade na cidade.

O que a cidade – qualquer cidade – precisa é de uma política que cuide das calçadas, aumente o espaço de circulação para pedestres, que promova comércios, escolas, postos de saúde locais em todos os bairros, entre outras medidas que podem ajudar a diminuir a necessidade por deslocamentos motorizados. De acordo com a Pesquisa de Origem e Destino realizada pelo Metrô em 2007, 36% dos deslocamentos em São Paulo já acontecem a pé. A análise da renda dos entrevistados mostram, no entanto, que andar a pé não é uma opção atualmente, mas a única maneira de locomoção para quem tem pouca renda. Conforme a renda sobe, o número de viagens a pé cai. Se nada for feito, conforme a renda média dos paulistanos subir, maior será o número de deslocamentos motorizados. Como a renda de 2007 para cá aumentou de fato, é provável que o número de viagens a pé já tenha diminuído.

Amanhã, vou escrever mais sobre iniciativas de outras cidades para estimular viagens a pé.

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11 de maio de 2011 at 00:18

Rock in Rio? Só de ônibus

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A organização do Rock in Rio 2011 divulgou nesta semana informações sobre o transporte para o evento, que acontece entre os dias 23 de setembro e 2 de outubro. Com agradável surpresa, descobri que não haverá lugar para o estacionamento de automóveis particulares. A Cidade do Rock, em Jacarepaguá, longe toda vida de quase qualquer lugar da cidade, será alcançada primordialmente por ônibus. Haverá a criação de duas linhas especiais para o evento.

A iniciativa já me parecia excelente só com essas informações. Mas as declarações de Roberta Medina, vice-presidente executiva do festival, publicadas nessa matéria do G1 me fizeram enxergar uma perspectiva nova. Disse ela: “Vamos facilitar muito esse acesso para que, mesmo aqueles que não têm o hábito de andar de ônibus, sintam-se tranquilos e confortáveis para utilizar este tipo de transporte coletivo”.

Isso significa que aquelas pessoas que foram praticamente criadas dentro de um carro e nunca pegaram um ônibus fatalmente terão que fazê-lo. Acho que é uma oportunidade única de mostrar a essas pessoas que ônibus pode ser bom, funciona, vai rápido. Claro que uma parcela daqueles que iriam de carro acabarão usando táxi para chegar, mas ainda assim é um avanço. Quanto mais iniciativas para restringir o uso de carro particular, melhor.

As justificativas oficiais para o uso do ônibus são relacionadas à sustentabilidade. O Rock in Rio quer cortar as emissões de carbono e uma das maneiras é impedir o uso de automóveis pelas 100 mil pessoas que deverão ir aos shows a cada dia.

Written by thalitapires

6 de maio de 2011 at 14:20

Publicado em mobilidade

Nova Luz e Parque Dom Pedro são exemplos de falta de participação

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Sesc e Senac se instalarão na área (foto: Prefeitura/SP)

Deu no Estadão de hoje: a Prefeitura de São Paulo lançou um projeto para a revitalização da região do Parque Dom Pedro II. O pacote inclui a demolição de três viadutos, o enterramento de um trecho da Avenida do Estado, criação de mais de 2 mil vagas de estacionamento, mudança na localização do terminal de ônibus (a mais importante conexão de ônibus do centro com a Zona Leste), construção de moradias populares, entre outras mudanças.

A Prefeitura tem o direito de sugerir o que quiser para a cidade. Algumas das mudanças parecem realmente benéficas. O problema é que a administração apresenta um pacote de medidas dessa magnitude em uma coletiva de imprensa e acha que é suficiente para informar a população. Quem mora e trabalha no local não tem ideia do que está acontecendo.

Isso já é verdade em relação à demolição do Edifício São Vito. A obra está acontecendo, mas o futuro da área é um mistério. Pelo que a mesma matéria deixa transparecer, era um mistério para a própria Prefeitura. Antes, o objetivo era construir um edifício estacionamento no local. Ontem, um protocolo de intenção foi assinado para que a área seja ocupada por uma unidade do Sesc e outra do Senac. Essa saída me parece muito melhor do que o edifício garagem, mas quem discutiu sobre isso?

A falta de participação da sociedade nas decisões da Prefeitura assusta. Parque Dom Pedro, Nova Luz, Operações Urbanas, tudo é decidido nos gabinetes e aplicado sem qualquer consulta. Assim, perpetua-se a noção de que democracia é só eleger alguém e esquecer o assunto por mais quatro anos. É uma ideia confortável, mas que precisa ser combatida.

Não acredito que esse movimento possa partir da própria administração pública, que provavelmente não apreciará ter mais trabalho para fazer reuniões com moradores, explicar o projeto em detalhes e, principalmente, ouvir e levar as críticas em consideração. De fato, participação dá trabalho. Mas é necessário. Experiências bem sucedidas existes em todo o mundo, inclusive no Brasil – o mundialmente famoso Orçamento Participativo de Porto Alegre. Se nenhuma experiêcia for aplicável a São Paulo, que se crie um maneira nova. O que não pode acontecer é o contínuo alijamento dos cidadãos em relação aos rumos de sua própria cidade.

ps: Nesse post, Raquel Rolnik faz outras críticas ao projeto do Parque Dom Pedro.

Written by thalitapires

5 de maio de 2011 at 17:00

Chuvas desalojam mais de 60 mil em Pernambuco

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Moradores de Barreiros improvisam embarcação (foto: AE)

As chuvas da última semana em Pernambuco já afetaram 49 municípios em Pernambuco. Deles, 22 já decretaram estado de emergência. De acordo com os últimos dados da Coordenadoria de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe), o número de famílias desabrigadas chega a 4.080 (cerca de 20.400 pessoas). Além disso, cerca de 8.500 famílias – 42.515 pessoas – estão desalojadas, morando em casa de amigos ou parentes. Duas pessoas morreram.

Recife, uma das cidade mais atingidas, sofre com alagamentos por várias regiões. Até a noite desta quarta-feira, cerca de 50 famílias das comunidades ribeirinhas de Lagoa Encantada, Costa Porto, Córrego da Bica e do Sargento, Tancredo Neves, Alto do Capitão e do Mandú, Águas Claras e Vasco da Gama foram encaminhadas para casa de parentes.

Já choveu, até hoje (5) 80% do previsto para todo o mês de maio na região. De acordo com a previsão do tempo, as chuvas devem continuar.

O Ministério da Integração Nacional liberou R$ 18,7 milhões para ações de socorro e assistência às vítimas do Estado de Pernambuco. A decisão foi publicada nesta quinta-feira, no Diário Oficial da União

Donativos estão sendo recebidos nos quartéis da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros. Para ajudar na reconstrução das cidades destruídas, o Governo do Estado disponibiliza a seguinte conta bancária

Caixa Econômica Federal (banco 104)
Agência 1294
Operação 006
Conta 2010-0
CNPJ 11493327/0001-69

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5 de maio de 2011 at 14:54

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Reformas de aeroportos têm problemas, mas Copa não está ameaçada

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Este é um blog sobre planejamento urbano e não tinha a intenção de fazer crítica de mídia. Mas as matérias veiculadas ontem por veículos de todo o país sobre aeroportos são, no mínimo, exageradas. No afã de criticar, alguns fatos passaram ao largo dessas matérias, que diziam que os aeroportos não estarão prontos para a Copa. Essa conclusão é só um pouco verdadeira. O curioso é que há motivos aos montes na nota pra criticar os responsáveis pelos aeroportos, mas tudo o que li passava uma informação equivocada e facilmente verificável dos dados do relatório, de que a Copa está ameaçada. Vou tentar mostrar aqui uma leitura mais equilibrada dos dados, mas como tampouco sou infalível, deixo o link para a Nota Técnica do Ipea que gerou essas notícias. Basta clicar na figura ao lado.

O Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea), fundação pública federal ligada à Presidência da República, soltou ontem (14) uma Nota Técnica sobre o andamento das obras nos aeroportos das principais cidades do país, chamada Aeroportos no Brasil: investimentos recentes, perspectivas e preocupações. Imediatamente pipocaram manchetes nos portais que diziam que os aeroportos não estariam prontos para a Copa do Mundo. Essa é, em parte, a conclusão da nota, mas outras informações também são importantes, que seguem:

1 – As obras de expansão de terminais de passageiros não devem ficar prontas até a Copa. Mas as obras nas pistas, pátios e terminais provisórios sim. Ou seja, os aviões terão onde pousar, de onde decolar e lugar para taxiar. Os passageiros também terão onde embarcar e desembarcar. A única questão é que não serão em terminais definitivos, mas sim em estruturas montadas provisoriamente. Isso significa que a segurança dos passageiros estará em ordem. O problema será de conforto. As estruturas provisórias ainda não existem, o que torna uma avaliação a esse respeito impossível por enquanto.

2 – A nota técnica do Ipea conclui que, provavelmente, as obras não estarão prontas em 2014 levando em consideração o ritmo normal de execução de projetos desse nível no país. A questão é que eventos como a Copa do Mundo têm como uma das finalidades – além de fazer publicidade do país sede – agilizar a execução de obras que aconteceriam de qualquer maneira. Copa e Olimpíada são estratégias dos governantes para que as coisas de fato aconteçam. Isso não tem relação alguma com o ‘jeitinho brasileiro’. Em Londres, sede da Olimpíada de 2012, o projeto de revitalização de Hackney e Stratford só decolou por conta dos Jogos. A região era um buraco negro urbano, com imensas dificuldades de infraestrutura. Apesar de localizada próxima ao centro, a densidade populacional era baixa e os índices sociais, uma vergonha. Sem a Olimpíada, é provável que não houvesse dinheiro e nem consenso para que as mudanças acontecessem.

Isto posto, quero deixar claro que essa estratégia de acelerar obras com grandes evento mundiais é discutível. O mundo acadêmico tem debates ferrenhos entre os defensores e os detratores desse tipo de ação. Uma das maiores críticas é o fato de que, com um prazo curto no horizonte, a participação popular no projeto é pequena, inexistente ou ainda apenas pro-forma. Apesar de soar utópico para nós no Brasil, em boa parte da Europa qualquer grande projeto que atinja a população tem que ser debatido com os moradores. O fato de haver protestos em relação à remoção das comunidades que vivem perto das obras olímpicas no Rio de Janeiro é um exemplo disso. A população não foi consultada, não houve negociação, apenas remoção. Pelo menos os aeroportos são infraestruturas básicas e dificilmente alguém se oporia às obras.

Isso tudo para dizer que, se alguém encomendou esse estudo, era para ter pé da situação dos aeroportos e poder agir para melhorar. Não há motivos para supor que o andamento das obras continuará no mesmo ritmo. Claro que esse também é um fato preocupante. Agilidade na liberação de relatórios técnicos e ambientais e nas licitações e aumento das verbas é uma combinação explosiva em um país com pouca tradição na atenção aos gastos públicos. Os tribunais de contas da União e dos Estados são os únicos órgãos que atuam com esse objetivo e, com tantos projetos simultâneos, poderão ter dificuldades operacionais. Esse sim é um tema importante de debate se não quisermos ver o orçamento da Copa e dos Jogos Olímpicos explodir como aconteceu com o do Pan-2007.

3 – Outra informação importante da nota é que, se os cálculos sobre aumento da demanda por transporte aéreo estiverem corretos e todas as obras fiquem prontas em 2014, ainda assim haverá déficit na capacidade total dos aeroportos do país. A capacidade de passageiros com as novas obras será de 148,7 milhões, enquanto a demanda será de 151,8 milhões. Até onde pude entender, essa demanda é apenas interna e não calcula o aumento de passageiros por conta da Copa. Isso é preocupante. É preciso investigar se os projetos de reforma dos aeroportos são flexíveis e comportam algum aumento na capacidade.

Aeroporto de Guarulhos opera acima da capacidade

Ao mesmo tempo, é bom lembrar que hoje as taxas de ocupação dos aeroportos já ultrapassam – e muito – a capacidade instalada. De acordo com o estudo, considera-se que o limite de eficiência operacional de um aeroporto corresponde a 80% de sua capacidade nominal. Um aeroporto que tenha capacidade para 5 milhões de passageiros ao ano é considerado adequado quando transporta 4 milhões. Em 2010, apenas Galeão (RJ), Salvador (BA) e Recife (PE) estavam dentro do nível normal. Mais 3 aeroportos operavam entre 80% e 100% da capacidade: Curitiba (PR), Belém (PA) e Santos Dumont (RJ). Todos os outros 14 principais aeroportos operamvam em 2010 em situação crítica, ou seja, acima de 100% da capacidade. São eles: Guarulhos (SP), Congonhas (SP), Campinas (SP), Brasília (DF), Confins (MG), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Florianópolis (SC), Vitória (ES), Natal (RS), Goiânia (GO), Cuiabá (MT) e Maceió (AL). A projeção para 2014 é que apenas os aeroportos de Manaus, Campinas e o Galeão, no Rio de Janeiro, operarão abaixo de 80% da sua capacidade. Todos os outros superarão os 100%.

Daí saem duas conclusões. A primeira é que a melhoria da infra-estrutura dos aeroportos está apenas acompanhando o crescimento da demanda, e não consegue superá-la. O déficit de capacidade instalada deve diminuir um pouco até 2014, mas estará longe da capacidade ideal. A outra é que a situação dos aeroportos durante a Copa não deve ser pior do que a de hoje. A projeção é que os problemas serão da mesma ordem. E por mais que possamos criticar o funcionamento dos aeroportos hoje, a crise de 2006 passou e não parece que voltará. Nos últimos tempos, os problemas de atrasos em voos no Brasil têm sido causados pelas empresas – que não têm tripulação suficiente para atender à demanda – e não pela infraestrutura em si. Esse é um problema mais fácil de ser resolvido. Vou reiterar: essa relativização não quer dizer que eu ache adequado que os aeroportos não ampliem sua capacidade de acordo com a demanda. Está errado. Meu ponto é que, de acordo com esses dados, o país não vai parar na Copa, pelo menos não por culpa dos aeroportos.

4 – Meu último ponto é que os projetos de reforma dos aeroportos no país parecem ser elaborados por pessoas sem qualificação técnica. O estudo descreve a situação da reforma de dois aeroportos em detalhes, Vitória e Goiânia. Em relação à Vitória, diz a nota:

As obras foram iniciadas em fevereiro de 2005, mas foram interrompidas em junho de 2008, quando o TCU constatou irregularidades. No final de 2009, a Infraero rescindiu o contrato com a empreiteira responsável pelas obras. A publicação de um novo edital, para contratação de outra empresa, está prevista para março de 2011. A capacidade atual do aeroporto de Vitória-ES é de 560 mil passageiros por ano. Em 2010, o aeroporto recebeu 2,6 milhões de passageiros, ou seja, mais de quatro vezes a sua capacidade. O plano de investimentos já está defasado, pois prevê o aumento da capacidade para 2,1 milhões de passageiros”

Projeto do aeroporto de Goiânia apresentou falhas graves

Já sobre Goiânia, o estudo afirma:

“Em 2006, em auditoria realizada na obra de construção do novo aeroporto de Goiânia-GO, o TCU encontrou projeto básico deficiente, sobrepreço de mais de R$ 73,5 milhões e inexistência de projetos de engenharia atualizados. As reformas no aeroporto de Goiânia-GO foram paralisadas em abril de 2007 por iniciativa do consórcio responsável, depois de retenções cautelares aplicadas pela Infraero. Foram feitas tentativas de pactuação contratual com base em preços apresentados pelo TCU, mas o consórcio não entrou em acordo e acionou a Infraero judicialmente. Em 2010, o contrato foi suspenso. Segundo informações do TCU,  os recursos previstos não foram transferidos aos empreendimentos, uma vez que não existiam contratos em execução, inexistindo pagamentos ou execução física em 2009 e 2010. Atualmente, o processo de rescisão judicial está na fase de realização de perícia, que definirá o que é ou não devido ao consórcio executor das obras. Mesmo com a perícia técnica pronta, as partes ainda podem divergir quanto aos valores, e o processo pode levar ainda mais tempo para ser concluído. A longa paralisação de algumas obras poderá requerer demolições.”

Por deficiências graves nos projetos, ambas as reformas estão paradas. Isso mostra a falta de capacidade de investimento do setor público. É sabido que a década de 90 foi um túmulo para o investimento público e que no início dos anos 2000 os funcionários estavam aprendendo outra vez como realizar. Sim, porque os projetos não são feitos pelos governos, essa entidade onipotente. São pessoas que fazem acontecer, pessoas que têm deficiências de formação e treinamento. Na minha opinião, se na década de 90 o problema era dinheiro, hoje as dificuldades de investimento devem muito à falta de pessoal técnico no serviço público. Esse é outro debate que deve ser levado adiante o mais rápido possível se não quisermos ver o país tropeçando nas proprias pernas quando o assunto é investimento público.

Written by thalitapires

15 de abril de 2011 at 12:52

Rio Acre transborda e desabriga pelo menos 1,8 mil pessoas

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O Rio Acre atravessa as áreas mais povoadas de Rio Branco. Crédito: Google Maps

Deu no Blog da Amazônia, do Terra Magazine. O Rio Acre transbordou e atingiu cerca de 6 mil casas em 11 bairros da capital Rio Branco. O parque de exposições da cidade abrigava, às 17h30 desta quinta-feira, 1.855 pessoas, a maior parte (cerca de 60%) menores de 18 anos. De acordo com a assessoria de imprensa, a tendência é que esse número aumente com o resgate de mais pessoas. O número de desabrigados é ainda maior, pois não há informações sobre quantas pessoas buscaram abrigo na casa de parentes e amigos.  O nivel do rio atingiu hoje 15,91 metros, 10 metros a mais que a profundidade normal. O centro da cidade, também cortado pelo Rio Acre, não sofreu com inundações. Rio Branco tem 335 mil habitantes.

A prefeitura montou um espaço para auxiliar os desabrigados. Cada família tem direito a um box (improvisado, mas privativo) para morar enquanto a água não baixa. Além disso, um galpão está à disposição para guardar móveis recolhidos das casas atingidas. Os desabrigados têm ainda assistência médica à disposição e três refeições diárias. Uma rádio comunitária foi montada dentro do parque para a divulgação de informações. Os próximos passos para o atendimento aos atingidos só poderão ser discutidos quando houver uma avaliação em relação ao número de casas condenadas. Doações de alimentos e produtos de limpeza e higiene pessoal poderão ser encaminhadas para o Corpo de Bombeiros da cidade.

crédito: Prefeitura de Rio Branco

A cheia do Rio Acre revela uma situação pouco debatida no Centro-Sul do país. O desmatamento da Amazônia não é um problema de regulagem do clima apenas, mas tem consequências nas cidades da região também. Especialistas atestam que o desmatamento das matas ciliares é a principal causa das enchentes. A chuva cai na terra desprotegida e vai direto para o rio, em alta velocidade e levando consigo muita terra, que colabora para o assoreamento. Com cada vez mais água e menor profundidade, o rio transborda. Problemas que são semelhantes em cidades de qualquer tamanho.

Written by thalitapires

14 de abril de 2011 at 19:26

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Estádios esquecem acessibilidade

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Sou são-paulina. Deixei essa informação de lado na minha apresentação pessoal por não achar relevante, mas agora ela faz sentido. Estou confortavelmente sentada no sofá de casa assistindo São Paulo x Santa Cruz pela Copa do Brasil e não pude deixar de sentir saudade da época em que ia ao Morumbi assistir aos jogos do meu time. Esse era o único momento em que me sentia afortunada pela localização da minha casa. O Campo Limpo fica grudado ao Morumbi, e na volta para casa, o bairro ficava sempre na contramão da galera que tentava voltar para casa em direção ao centro.

Isso tudo veio à minha cabeça quando pensei como faria para ir ao jogo caso morasse em São Paulo. A Arema Barueri fica, bom, em Barueri. Barueri é uma cidade da Grande São Paulo, na beira da Castelo Branco. Isso é longe. Não necessariamente longe em quilômetros, mas em acessibilidade. Estádio precisam ter transporte público perto. Ainda que o jogo tenha um público decepcionante, é sempre uma aglomeração para chegar e, principalmente, deixar o estádio. Fiz uma pesquisa breve na internet sobre o caminho do estádio para o centro de São Paulo. São cerca de 30 quilômetros. Para sair do estádio e chegar à Praça da Sé, são necessários pelo menos dois ônibus, um metrô e duas horas.

portalbarueri.com

Estádios devem ser locais de fácil acesso. Isso é verdade em relação aos estádios mais tradicionais, como Pacaembu (estações Barra Funda e Clínicas a cerca de 1 quilômetro), Palestra Itália (estação Barra Funda), Maracaná (estação Maracanã, São Cristóvão, trem e diversas linhas de ônibus) e, até, o Morumbi, que apesar de não ter transporte sobre trilhos por perto ainda, tem um corredor de ônibus com cerca de 20 linhas em direção ao centro da cidade (ou, no sentido contrário, ao Campo Limpo!).

Não é o caso de novos estádios como a Arena Barueri e o Engenhão, no Rio. O estádio de Barueri é totalmente fora de mão para quem mora na Capital. O fato de o estádio ter sido construído para abrigar o antigo time da cidade (o Grêmio Barueri, que virou Grêmio Prudente depois de um problema com a prefeitura) não é desculpa. Não é possível que uma prefeitura construa um estádio na Grande São Paulo apenas para os moradores locais. Barueri não tem tradição futebolística, o que significa que apenas jogos com times tradicionais da região recebem uma quantidade razoável de torcedores. Torcedores esses que, na sua maioria, vêm da Capital. Em um jogo à noite, no meio de semana, a situação é pior. Ainda que haja uma estação de trem nas proximidades, o resto da rede para de funcionar no final da noite. Mesmo que o torcedor consiga embarcar em um trem, o que é difícil, o que ele fará quando chegar à Barra Funda? Sem metrô ou trem, restam poucas opções de ônibus.

No Engenhão, a situação é parecida. O estádio fica ao lado da estação Engenho de Dentro do trem, mas é só. Os ônibus são limitados e não há ponto de táxi por perto. Estive num jogo no Engenhão e ir embora foi uma aventura. Além disso, tenho amigos que moram em Pilares, próximo ao estádio, que dizem que a promessa, na época da construção do estádio, era a melhoria da conexão do bairro com o resto da cidade. Para quem não conhece, o Engenhão fica no meio de um bairro completamente residencial. Essa melhoria nunca aconteceu. É sempre bom lembrar que o estádio foi construído para o Pan 2007. Lá se vão 4 anos, e nada na vizinhança mudou.

Google Maps

Em compensação, os dois estádio têm ótimo acesso para carro. A Arena Barueri fica perto da Castelo Branco e o Engenhão fica na beira da Linha Amarela. Se eu tivesse carro, não seria tão difícil chegar (sobre estacionamento, não sei dizer). Mas está errado. Estádios são espaços de aglomeração de pessoas, que vão embora todas ao mesmo tempo. Só um sistema de transporte coletivo de massa é capaz de atender esse público. Em Londres, todos os estádios que enchem ficam perto de uma estação do Metrô. Uma vez dentro de um trem, é possível chegar a qualquer canto da cidade.

Não sou utópica. Sei que o transporte coletivo sobre trilhos é falho no país e que nenhuma cidade tem a possibilidade de ter um metrô com tantas conexões. Mas o futebol só existe com gente no estádio. Se não há metrô que sirva para todos, é preciso, no mínimo, que haja ônibus que atendam aos torcedores. Ainda mais nos horários horrorosos em que os jogos acontecem no Brasil.

Written by thalitapires

6 de abril de 2011 at 23:32

Publicado em mobilidade, Trânsito

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Marginais continuarão a encher no próximo verão

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crédito: OAS

As Marginais Pinheiros e Tietê e os bairros que margeiam o rio Tietê continuarão a sofrer enchentes no próximo verão. Essa é a conclusão óbvia a ser tirada depois do cancelamento, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE/SP), da licitação que iria contratar os responsáveis pelo desassoreamento do rio. A informação vem da matéria de Artur Guimarães, no UOL. O Tribunal decidiu, de forma definitiva, que um serviço de alta complexidade técnica como esse não pode ser contratado pelo sistema de pregão, que exige padrões de qualidade objetivamente definidos. A matéria elenca ainda outros problemas com a licitação.

As tempestades em São Paulo começam no mês de novembro. É improvável que até lá a licitação esteja terminada. Ainda que  isso seja possível, serão meses sem limpeza do fundo do rio, condição mais importante para a ocorrência de enchentes. Junte-se a isso o fato de que o Tietê ficou sem limpeza por quase 3 anos, entre 2006 e 2008 e as inundações tornam-se quase um imperativo lógico. Tragédias como a do Jardim Pantanal, no verão retrasado, podem se repetir.

A limpeza do fundo do rio virou bandeira eleitoral de todos os candidatos ao palácio dos Bandeirantes nas eleições de 2010. Mesmo Geraldo Alckmin, candidato do mesmo partido do então governador José Serra, foi obrigado a embutir na campanha críticas veladas ao gerenciamento das enchentes em São Paulo. Eleito, lançou junto com Gilberto Kassab um pacote de R$800 milhões para o combate às enchentes, do qual fazia parte o desassoreamento do Rio. Resta saber como o governo estadual justificará uma falha técnica dessa envergadura em um dos principais projetos da gestão.

Written by thalitapires

6 de abril de 2011 at 18:51